sexta-feira, maio 18, 2007

Teatro da Vida



A casa lotada, na estréia, parece agora vazia. Qualquer sussurro pode ser ouvido claramente. Os atores parecem estar ao seu lado. O teatro continua a esvaziar. As pessoas saem uma a uma. A cortina, aquela vermelha tradicional, se fecha. Não há mais ânimo para continuar. A companhia, antes completa de profissionais, fica solitária. Não há mais show, daqueles de encher os olhos, como os musicais da Brodway. Transformou-se em um monólogo, em que o artista passa a dividir, a partir de agora, as suas melancolias.

Diante disto, o público reage, e começa a interpelar, o artista. Sem maquiagem, máscaras, cenários, e com uma iluminação precária, apenas uma luz que dá vazão ao olhar compenetrado do ator, sentado em um banco, com um fundo preto, atrás para contrapor, à sua roupa branca. Ali, sozinho, antes acompanhado, antes coadjuvante. Agora uma estrela solitária, uma estrela em agonia, marcada pelo ritmo lento das falas, da falta de vigor para domar o palco. E ali, na sua frente, alguns poucos, não mais pagantes, apenas convidados.

Na forma crua, sem nenhum encanto, mas transparente, real, sem nenhuma ilusão, de aquela cena vai mudar para sempre a sua vida. Que aquele salto diante da mocinha pode conquistá-la. Ou que a voz firme e ríspida pode afastar o vilão. A sua experiência mostra que o público não se lembra destas cenas. Lembra do olhar meio atravessado, enquanto esquece a fala, dos risos frouxos depois que esqueceu o roteiro, do momento em que o artista reverencia o público, ou quando este se aproxima para dizer as suas impressões do show.

Destes momentos, fora de contexto, considerados errados, mas que enriquecem uma obra. E neste momento, cabisbaixo, sem nada mais para dizer, começa a ouvir barulhos, que já tinha esquecido. O toc toc dos sapatos entram. Juntamente com os aplausos da persistência daquele herói, que não desistiu da batalha. E que se mostrou por inteiro. Com a experiência e presença de espírito, de quem lutou muito, e perdeu bastante. Os aplausos cortam o ar, e vão até o coração. Uma última olhada. Uma última cena. Esta sim, para ser lembrada. De um verdadeiro artista da vida.

O show precisa continuar

Às vezes, bate aquela louca paranóia. Eu poderia agir desta forma, ou deste jeito, neste exato momento? Esta seria a melhor hora de brigar, ou de ficar calado? As cenas começam a desencadear lentamente, como uma previsão de um futuro, que nunca vai acontecer. Não daquela maneira. Com aquelas mesmas palavras, sorrisos, expressões faciais. Talvez seria melhor chegar lá, e falar de forma mais ríspida. Ou então, bater o pé no chão, esticar o dede, em riste, dizer uma frase de efeito, e ir embora.

Assim como um dramalhão mexicano, com aquelas pessoas bonitas, vestidas com cores fortes, e com as vozes empostadas dos dubladores brasileiros. Às vezes, com a fina ironia, e com a alegria de Almodóvar, como a cena em que Penélope Cruz enterra o companheiro, em “Volver”, como uma heroína, que precisa fazer o necessário, sem mesmo pestanejar. Ou ainda como o Dr. House, da série norte-americana , uma metralhadora de frases de efeito, sustentada pela sua bengala, mas sempre com ações medidas para tentar esconder os verdadeiros sentimentos.

A realidade carrega um outro encanto. Não tem trilha sonora. A roupa, muitas vezes, desapropriada para a ocasião. A voz embarga, no momento em que o personagem deveria falar bravo. A câmara não se aproxima enquanto o seu olho começa a marejar. Na saída, para terminar a deficiência de toda a cena, o ator esquece a fala, no momento mais importante, e fica ali, parado, esperando alguém soprar o texto. Tarde demais. O diretor, lá em cima, parece dizer, agora é no improviso. E assim, as coisas funcionam. Como um eterno ensaio, com um texto complexo, personagens verossímeis, com falas chatas e intermináveis. Ah!! Os cacos também são permitidos. E durante toda a temporada, o texto muda, assim como a conveniência e o humor dos atores. Estes, adoecem, ou precisam tirar férias. E assim, tudo mudo. O tempo todo.