quinta-feira, setembro 28, 2006

Tempo de Levantar

Domingo cedo. Destranca o quartinho dos fundos. Acende a luz. Limpa a poeira. Ali, as primeiras manobras. De ré, tira a motocicicleta do cubículo. Porta encostada. Passa pelo corredor. Tudo para não sujar a casa. Seu pai já havia saído. Na calçada, o carro estacionado. Choveu a noite toda. Percebe-se pela água que cai na cabeça, quando as árvores balançam. Setembro típico.

Clima úmido. Asfalto quase seco. A cidade não era tão grande. Ao menos parecia. Pensava nas aventuras enquanto distanciava-se do ninho. Nas serras driblava o limite de velocidade. Resolve não apertar os freios. Rala-se todo. Das pernas aos braços. Na hora pensa como um herói. Daqueles recortados dos desenhos japoneses. Destruídos, mas sempre em pé.

Com a ajuda dos companheiros. Desce a serra íngreme, com a motocicleta parcialmente empenada. Tenta desviar os olhos dos que passam. Talvez pena, curiosidade ou angústia. Desce a rua. Percebe que não dói tanto. Acostuma-se. Toma coragem para olhar. Percebe que não há vergonha. Começa a pedalar. Deixa os outros para trás. Limpa as lágrimas. Suja o rosto com a poeira. Caiu. Apenas uma. De várias.

Trilha: Em qualquer lugar

Ps: Mais uma reflexão pseudo auto-ajuda. Como o filão que mais cresce, devo me especializar. Mas nada de psicografar. Tenho medo de espíritos.

domingo, setembro 17, 2006

Plano de Promessas

Há dias me afundava em números. Nada de chegar a um consenso. Alguns simplesmente não batiam, outros não iam ao encontro do que gostaria de exemplificar no texto. Os dados eram sobre a educação. A proposta? Provar que os governadoriáveis não teriam recursos suficientes para a efetivação das suas principais promessas - escola em tempo integral e erradicação do analfabetismo.

Sentado no banco de um ônibus, percebi que os números tornaram-se um retrato infiel e desumano de um problema ainda crônico. A cena: uma senhora pede para que um rapaz fizesse algumas contas. “Sra, vou descer no próximo ponto”, dizia em pé já puxando a cordinha. “Mas vai dar tempo. O ponto está longe”, falava aflita. “Chegou, desculpa”. Agora, a sra. olhava em volta para pedir ajuda novamente.

Enquanto isto, os candidatos continuam com o mesmo falatório inútil no horário eleitoral custeado pelo bolso do cidadão. Dizem apenas que vão erradicar o analfabetismo, mas nem mencionam como farão. Não se preocupam nem com os números de analfabetos, orçamento que terão para gerir uma possível campanha. Imagine com a realidade de um analfabeto. A culpa poderia ser creditada apenas aos postulantes e às suas assessorias. Mas isto seria reduzir a questão, em um País que a estrutura estatal não tem o hábito de avaliar as suas ações. Também poderíamos dizer - ainda que de forma perigosa -que este é um traço do funcionalismo público brasileiro.

Não há pesquisas quantitativas, muito menos qualitativas, que apontem rumos e mostrem deficiências nas gestões. Dependendo do humor da pessoa, ou da hora que se é atendido, os números da educação, por exemplo, mudam com uma rapidez incrível. Alguns documentos precisam simplesmente de uma banca de especialistas para análise. Ao invés de cobrarem, os candidatos preferem seguir a maré. Assim, a despolitização continua ao confeccionarem planos de promessas como se fossem planos de governo.

Alguns parecem redigidos a partir de reportagens de televisão, de tão superficiais e genéricas. Os políticos, afinal, não podem perder tempo com estes pormenores. Precisam viajar de cidades em cidade para pedir voto, sem entender as diversidades dos problemas da população. Pela pressa e falta de planejamento, não constroem uma visão qualitativa e quantitativa da realidade do Estado. Em suma: pode até mudar a panela, mas o fogão vai continuar o mesmo.

Trilha: Ônibus Parque Oeste-Centro

quarta-feira, setembro 13, 2006

Já vi este filme

Sentado em frente ao computador. Sem nada para fazer. Sem nenhuma obrigação para cumprir. A missão: apenas tentar vencer o exército adversário (no caso, os socialistas) do game Red Alert. Nas horas de folga, leitura de um livro, ou uns DVD´s, enquanto enchia o “pangu” de comida na cozinha.

Tudo lembrou a minha adolescência. Principalmente quando escutei Green Day (as músicas antigas), Matchbox 20, Edwin Mccain, Brian Adams ou New Radicals novamente. Estava em casa novamente. Não veio um filme na minha cabeça. Afinal, não estava bêbado, drogado ou nada parecido. Foi mesmo um estalo. Em frente ao computador, jogando ou ouvindo música, parecia que havia voltado no tempo.

Meu pai entrando fazendo barulho. Minha mãe gritando lá embaixo para avisar que a comida já estava pronta. O meu irmão e suas palhaçadas. Ah!! Também teve as brigas que saiam enquanto conversávamos na cozinha. Só faltou a minha irmã brigando com o mundo, e com todo o mundo. Tudo isto dentro de um forno chamado Barreiras.

Na época não achava a menor graça. Por isto não sinto saudades. Estas cenas só me fazem feliz hoje. Até porque percebo que a distância em nada alterou o que sinto por minha família.

Trilhas: Barreiras city, mais precisamente na minha casa

segunda-feira, setembro 04, 2006

De mãos atadas


Maria, Marleuza, Marlene. Apesar da aparência dos nomes, estas mulheres não se conhecem. Talvez nunca passaram nem mesmo os olhos umas sobre as outras. Mal sabem que entre elas há um laço forte. Em seus olhares perdidos e vozes embargadas, não conseguem explicar como os filhos desapareceram. Elas tentam, procuram explicações, como se eu pudesse de fato ajudá-las. Neste caso, não passo de um bom ouvido, nada conselheiro.

Maria das Graças procura ainda esperançosa o adolescente Murilo Soares Rodrigues, de 12 anos, desaparecido desde o dia 24 de abril de 2005. Ele estava junto com o servente de pedreiro Paulo Sérgio Pereira Rodrigues, 21, quando, segundo testemunhas, foi abordado por policiais militares da Rotam, na Vila Brasília, em Aparecida de Goiânia. A partir de então não foram mais vistos. Depois de um ano de desaparecimento, ela ainda continua a sua luta para encontrar Murilo, mesmo com a dor que a faz visitar regularmente psicólogos e tomar anti-depressivos.

Marleuza soube que durante os 40 dias que esteve desaparecido, W.R. perambulou pelas ruas do bairro Vera Cruz 2. O adolescente passou fome e fugiu sempre de qualquer um que ousasse a procurá-lo. A mãe, Marleuza, sofria com a insegurança de não saber onde o filho estava. Ela ainda se angustia ao tentar entender o comportamento do adolescente de 12 anos, que em dois anos já fugiu duas vezes. Depois de encontrado, W.R. argumentou sofrer maus tratos dos familiares, mas sem especificar o agressor.

Marlene simplesmente não entende o que aconteceu. Sua filha, a adolescente C.B.R, prestes a completar 17 anos, desapareceu de casa no dia 18 de julho, no Bairro da Vitória em Goiânia. No dia da fuga, ela vendeu uma mesa e alguns tapetes, que renderam em torno de R$ 150. Às quatro horas saiu com uma mochila, onde colocou três conjuntos de roupa. Ela disse que ia para Itaberaí, passar um tempo na casa do pai, Closimar Ribeiro dos Santos, com quem já morou alguns anos, logo depois da separação dos pais. Marlene descobriu que a adolescente não chegou ao seu destino.

Na tentativa de relatar o drama e o sofrimento destas lutadoras, as trilhas foram as mais diferentes. Da impotência, passando à superficialidade dos relatos diante da magnitude dos sofrimentos. Termino com a consciência de que nos casos de desaparecimento nem tudo é o que é. Senti-me com as mãos atadas. Além da frustração de saber que a esperança dessas mulheres recaíram sobre mim, por um minuto, sem que eu pudesse fazer absolutamente nada.

Trilhas: Bairro da Vitória e Cidade Jardim, em Goiânia
Foto: Maria das Graças, com a foto de Murilo Rodrigues
Crédito: Michel Capel