terça-feira, dezembro 12, 2006

Exército da reciclagem



Eles aparecem sem hora marcada. Marcham como se farejassem o ouro nas minas, a comida na mesa, ou a luz inerte em uma escuridão que assola a humanidade. Recolhem, remexem, espalham e chafurdam as sobras. Olham atentos o que procuram, sem desviar o olhar, em uma submissão coerente àquelas encontradas nas grandes empresas. Para os engravatados de Wall Street, a competição se dá entre homens atrás de poder e lucro, inebriantes como uma taça de vinho de francês ou um prozac no fim do dia para aliviar as angústias.

Nos lixões, a competição é feroz. O bicho-homem compete com as gaivotas e urubus que circundam o céu, com os cachorros e gatos, que alucinados tiram o que podem do grande amontoado descarregado todos os dias nos lixões. Há também a competição subterrânea, com as ratazanas que se divertem cavando grandes túneis, e se multiplicam como células em evolução. Já os mosquitos, pernilongos, estes nem se falam. Sugam do bicho-homem, a única coisa que o faz integrante da raça humana, o sangue. Já que nestas condições adversas, não há diferença se ali existe um ser pensante. Será que existem?, perguntaria o filósofo Descartes, vendo tamanha barbaridade.

Com o fechamento dos lixões, esta perversa lógica ainda apropria muito mais do que a integridade, mas também a liberdade daqueles que do lixo vislumbram manter-se em pé. O mesmo exército que invadia os lixões, hoje invade as ruas. Também não escolhem dia, hora e local. Andam praticamente em um mesmo ritmo. Como se precisassem de ajuda para empurrar o que lhes pesa. Param o carrinho na calçada, remexem sacolas, papéis e caixas. Em cima dele colocam papel, papelão, plástico, ou até mesmo, algo que possa usar depois. E assim, usam o lixo como uma possibilidade de se reerguer. Assim, de forma padronizada, um exército de mais de 3,5 mil homens e mulheres invade as ruas de Goiânia atrás de material reciclável.

Luta para reerguer. Munidos de disposição, os catadores ajudam a tirar 50 mil quilos de lixo, dos 33 milhões de quilos produzido por mês em Goiânia. Eles pertencem ao primeiro elo da cadeia da reciclagem, ao extrair dinheiro do que a maioria da população considera sem valor. São destes “restos” que pessoas como Deusdete Jesus da Conceição, 43, precisam para reconstruir a sua identidade. Há menos de duas semanas, ele podia ser visto em um estacionamento, perto do mercado de Campinas em Goiânia. Não na mesma altura das outras pessoas. Mas caído, em meio à sua embriaguez. No início, conseguia bebida alcoólica com quem dividia espaço nas calçadas das ruas. Depois, só consumia quando tinha dinheiro.

Naquelas condições, a única maneira era estender os braços a fim de que alguém pudesse gotejar algumas moedas. A invisibilidade social, seguida da indiferença, o tornavam perante aos que passavam um “ninguém”. Muito diferente do que pensava que seria tratado quando viajou dois dias e meio, quando saiu de Santa Inês no Maranhão para Senador Canedo, município da região metropolitana de Goiânia. Em seus pensamentos durante a longa viagem, viria para trabalhar de servente de pedreiro. Só que quando chegou, há dois meses e meio, descobriu que o primo que lhe daria morada havia se mudado. Às vésperas do natal, a saudade faz o coração apertar um pouco, já que ele nunca deixou de presentear os dois filhos. “Estou juntando um dinheiro para mandar um presente para eles no Natal”.

Com o trabalho de catador espera ganhar uns R$ 200. Esta é a média do que eles ganham. Deste dinheiro ele precisa retirar uma quantia para a água, luz, e para a comida, além do aluguel do carrinho, que deve repassar para a dona do depósito onde fica. É lá, que juntamente com Deusdete, dormem e convivem mais seis catadores de materiais recicláveis. Sem nenhum tipo de vínculo empregatício, Deusdete entrou no ramo de catação pela facilidade que encontrou para ingressar na atividade. Coletar material reciclável não requer nenhum tipo de exigência física e técnica, abrange um mercado dinâmico, além de possuir matéria-prima abundante, ainda que misturada pelo lixo comum.

Como os catadores do lixão, os catadores (ou papeleiros como alguns apelidam) trabalham sem nenhum tipo de proteção. As mãos que remexem os lixos vão nuas. O olfato sente o que os olhos não podem ver. E assim, usando os sentidos, driblam as dificuldades do serviço. E que são muitas. Mesmo com a “sofisticação” adquirida pela indústria da reciclagem, a sua base ainda se serve da degradação humana e o mais revoltante, da privação de liberdade. É mais uma vez a exploração, nas mesmas condições das fábricas do séc XVIII, do início da revolução industrial. De quem vê o ser humano como um objeto, uma máquina a usufruto do capital. Quem dera se Marx estivesse em desuso, como muitos apregoam, mas a sua teoria ainda se adequa em muitos segmentos econômicos. Na indústria do lixo, o capital ainda subjuga uma base composta de muitos “deusdetes”, que encontram na catação a única oportunidade para se levantar.

domingo, dezembro 03, 2006

Escravidão e preconceito

Em ritmo de blues, na voz melosamente triste de Billie Holliday, as árvores balançam como um leve sussurrar. As folhas, agitadas pelo vento, caem cálidas ao encontro do chão. As raízes expostas teimam a agarrar as profundezas. Flores não há. Estas já murcharam em uma primavera adversa. A copa frondosa quer apenas chamar a atenção dos céus. Raios e trovões, ao perceber a intenção, não se furtam em repreender o desatino. A escuridão toma conta, mas alguns raios de luz tentam compreender a estupidez.

Ao vai-e-vem, assim como frutos já ocos prontos a cair, as árvores presenciam forçosamente a selvageria. Os corpos já estão podres, assim como as almas, que enfeitiçadas pelo lucro, ou pela indiferença ao diferente, penduram seres humanos nos troncos. O sangue, que antes passava pelos ductos dos galhos e escorria até o chão, já secaram. Nada nascia, ermo como a degradação humana. Negro, mestiço, escravo, a cantoria e os tambores da senzala se lamentam. Ora, tentam sensibilizar a casa grande, ora verbalizar a revolta.

Se era provação dos deuses tal humilhação? Não se sabe ao certo. Negros como Zumbi dos Palmares, Martin Luther King, Malcom X ou Nelson Mandela não se importaram muito com esta pergunta. Na luta, cada um ao seu modo, consolidaram o orgulho da raça negra. Apagaram de vez o dia da libertação dos escravos, a tal da Abolição da Escravatura, presenteado por uma princesa branca, em uma situação irremediável para a monarquia brasileira. A assinatura da princesa Isabel serve hoje como uma confissão de culpa, mas que se apodera da mais mesquinha esmola oferecida à quem já fora demais açoitado.

Aceita de bom grado, a lei vigorou no papel. Só no papel. Na sociedade, a cor ainda prevalecia como um ranso de superacia. A senzala só se disfarçou de cortiço, favela, ou barraco. As pessoas ainda consideram apenas o DNA. Aos poucos a ignorância e o preconceito dão lugar à igualdade. Tilza Maria Antunes, por exemplo, conseguiu se desvencilhar dos determinismos existentes na sociedade brasileira. Universitária, conseguiu frustrar as estatísticas. O Ipea aponta que dos brasileiros que ingressaram as universidades brasileiras, 97% são brancos, contra 2% de negros e 1% de amarelos.

Diferente do nome, a diversidade nas universidades ainda continua restrita ao tom de pele. E assim Tilza caminhava pelos corredores da Faculdade de Letras, onde concluiu o curso em 2001. Não como os primeiros negros norte-americanos a entrarem nas mesmas instituições que os brancos, mas de forma gradual, assim como a cultura da democracia racial no Brasil impõe. Rigorosa e sempre almejando mais, Tilza considerou como o momento mais marcante a defesa do seu mestrado em Lingüística e Literatura. Professora de língua inglesa e literatura na rede municipal de ensino em Goiânia, Tilza sabe da importância da educação. “Estudar sempre foi o meu instrumento de superação. As pessoas podem até me discriminar antes de eu abrir a boca, mas depois não tinham mais coragem”, dizia.

Como as peças do destino, daquelas de que como a cor, não há como escolher, o primeiro preconceito sofrido, ao menos o que lembra, aconteceu na escola. “Eu era pequena, talvez nove anos. Minha mãe havia ido buscar minhas notas na escola, daí a professora me elogiou. A mãe de uma outra menina estava perto e disse para ela. Está vendo minha filha, você não tem vergonha. Até esta menina preta tirou nota melhor do que a sua”.

Menina preta.
Este adjetivo acompanhado da menina tomou fortes proporções. Não por estas duas palavras. Nem pelo “menina”, muito menos pelo “preta”. Como uma lingüista, Tilza entenda que o “Até esta” pode denotar. Talvez na psicologia a cena ajude a compor toda a sua psique. A mesma psicologia que explique o fato de Tilza ignorar o rompante racista. Para ela, aquela senhora não significa nada. “É apenas uma coitada, uma ignorante”, diz sempre com o seu jeito firme, de quem não leva desaforo para casa. Com este mesmo jeito, se diz contra qualquer tipo de preconceito. Mesmo aquele que pode ajudar alguém. “Os negros tem realmente uma defasagem histórica, mas cotas não adiantaram. Mas a melhoria no ensino público, este sim, ajudaria muito”.

Opinião controversa e ainda bastante debatida. Mas sabe que a educação permeia a vitória independente da cor, raça ou credo. Aprendeu com o pai, nordestino, que os 13 anos saiu da cidade pequena a mando do pai para estudar na capital. Nunca tinha ido a uma escola. Foi morar na casa de um tio. Só que o tio o transformou em uma espécie de escravo. Escola, esta nunca viu, só trabalho. Até que quando ele fez 14 anos, a sogra do tio dele, costurou uma muda de roupa e o ajudou a fugir. Aí ele foi sozinho para o mundo. Fugiu como os negrinhos das senzalas para escapar das chibatas dos seus senhores. Só para ter a sensação de uma liberdade, que deveria ser inata ao ser humano, mas precisou ser conquistada.

Passou fome. Aprendeu a ler e escrever depois de adulto. Sozinho, numa cartilha que um amigo da igreja lhe deu. Nunca foi à escola. Mas eu não conheço ninguém que faça contas de cabeça melhor do que meu pai. Até hoje, Tilza Maria Antunes rememora a história, contada repetidas vezes pelo pai sempre como uma motivação para que os filhos não desistissem do estudo. Quando precisa, no momento da superação, a história vem sempre à sua cabeça.

Trilha: Dia Nacional da Consciência Negra - 20 de novembro

quinta-feira, novembro 23, 2006

Ser do Momento

Não creio em aparências, todas simpáticas, bonitas e até levemente desengonçadas. Também não creio na profundidade exteriorizada, que aos poucos se transforma em superficialidade. Creio em momentos. Não confunda com o “carpe diem”. Também não é a supervalorização do tempo. Mas sim, as alterações vindas com as trocas entre as pessoas, o espaço e o tempo.

Não me queiram atencioso e interessado em todos os momentos. Ou mesmo, inteligente e alegre. Também gosto da solidão, daquela que me faz pensar no nada, no vazio, ou no infinito. Gosto de ver a televisão, o rádio e o computador ligados, mas estar longe... muito longe. Em outros momentos, quero prestar atenção no olhar, no sorriso, no toque, viajar no ritmo das falas e das pessoas.

Às vezes também me passo de profissional respeitado e de um repórter compromissado. Em outras, quero que o Jornalismo se exploda. Ele e as suas artimanhas para me agarrar. Tudo para me manter alerta a tudo e a todos. Que destroços de aviões, raios, ou a última personalidade instantânea fiquem bem longe de mim. Quero me desligar, tentar pensar no branco.

Como as nuvens que se transformam. Às vezes bicho, gente, ou alguma forma inanimada. Ou mesmo ninguém, ou algo amorfo. Também quero dançar até dar calos. Esquecer a vida por alguns momentos. Parecer flutuando em alguma espécie de tapete voador invisível. Quero me ver longe. Eu velho, talvez já com alguns netos. Quero me ver antes, em que eu andava de bicicleta a pensar.

No que eu ia ser. Na verdade, nunca serei. Eu sou. Um cara que gosta de pensar o mundo. Um cara que gosta de pensar a gota d´água. De extremos. Às vezes amo demais família, namorada, amigos. Geralmente amo de menos. Às vezes indiferente. Outras verdadeiro. Ou só parcialmente. Na verdade, um ator que trama os desafios e ensaia o que vai dizer. Só que de tanto encenar, mecanicamente, acabou se transformando. E continua a se transformar a cada minuto, dependendo da hora, da pessoa e do lugar. Talvez alguém só me movimente como um fantoche. Ou não. Só assumo as rédeas da minha vida diferente. Ou igual a qualquer um.

Hebert Regis, 23, barreirense, baiano, jornalista. Isto não quer dizer nada. Em algumas vezes esta superficialidade é o bastante. Mais fácil para mim e para você.

Trilha: Do momento. Em frente do computador + eu + ninguém + Damien Rice. Hora exata: 12h11. Data: 23/11/2006

domingo, novembro 19, 2006

Bastidores da notícia

Saem sempre desgovernados. Não respeitam sinais de trânsito, faixas de pedestres. Se existem carros na frente, estes logo sobem as calçadas e invadem os canteiros quando as sirenes dos carros de bombeiros estão de passagem. Pela conveniência, hoje resolveram sair em filas. De forma ordenada, como em um sete de setembro convencional,pediam licença para passar, com a educação de uma senhora de 80 anos na hora do "rush". Do quartel, localizado na rua 66, no Setor Central, em Goiânia, os oficiais dirigiam-se para o Emílio Povoa, bairro carente ao lado da Goiás Norte, também no Centro.

Na frente, atrás, no meio, ou onde pudessem entrar, a imprensa desbaratinada seguia o pelotão. Nos rostos por onde a trupe passava, só a dúvida. Mas este também era a minha. Afinal, para quê tudo isto?!

O leitor do referido blog também deve estar um pouco confuso, não é? Explico. O Corpo de Bombeiros juntamente com a Liquigás (empresa ligada à estatal Petrobrás) resolveu distribuir botijões de gás e o equipamento, como mangueira, braçadeira e a válvula. A campanha pretende evitar incêndios com escapamento de gás. Para a minha surpresa, 90% dos incêndios em pequenas residências nas periferias são causados pela falta de manutenção do equipamento, que deve ser trocado a cada três anos. O objetivo da campanha procedia. Tanto que na segunda casa visitada, até cheiro de gás havia. (Ler matéria)

Voltando à história. A população do Emílio Povoa devia pensar, no mínimo, que ali se realizava uma operação policial. Afinal, carros de bombeiros e jornalistas só vão nestes lugares quando tem desgraça (É uma preconceito meu em relação à imprensa, mas deve haver as suas exceções) As pessoas saiam nas portas. Pareciam até estarem com medo. De forma sincronizada, assim como nas séries policiais de TV, os bombeiros saiam dos seus carros, enquanto jornalistas corriam atrás da notícia. Considerando-se uma série policial tupiniquim, bombeiros e jornalistas não sabiam para onde deveriam ir.

A paralisação se deu por uns quatro minutos. Até quando um jornalista do Diário da Manhã (DM) informa: “Calma gente, não é desgraça não. É coisa boa. Eles estão trocando o equipamento de gás e...”. Foi oportuno ele ressaltar isso. Nisto uma aglomeração de pessoas adentrou a casa da senhora. Câmaras, máquinas fotográficas, microfones, gravadores e muita pressa, além do corpo de bombeiros. Os bombeiros mirins, que deveriam ajudar nas orientações aos populares, (assim dizia o projeto assinado em menos de uma hora) não sabiam o que fazer. "Ao menos desta vez ela vai ganhar um botijão. È R$ 33 a menos na conta do fim do mês", pensava eu, um pouco passado com a velocidade que tudo se processava.

“Cadê a assessoria? Gritava uma jornalista da TV Anhanguera, esta aflita, porque o material deveria entrar no jornal do meio dia. Já passava das 10h40. Naquela hora, não tinha assessoria que ajudasse. Ainda por cima, dois jornalistas retardatários ainda faziam entrevistas, com os bombeiros chefes. Esperava pacientemente, já que deveria entregas a matéria só no fim do dia. Estas eram as minhas metas. Já que tinha tempo até sexta feira, dia do fechamento. A repórter continuava, desta vez a berrar. “Eu não quero entrevistar mais ninguém. Já entrevistei todo o mundo”. Verdade, a imprensa pontual chegou às 09h00. Eu cheguei às 09h30. Havíamos até tomado café. O bolo estava gostoso. Depois do café da mesa, uma cerimônia de assinatura do contrato demorou mais meia hora.

Parei, olhei, e pensei. “Aquela casa já está dominada”. Vamos para a próxima. A partir daí, deixei a minha pseudo-ética de lado. Já havia conversado com a dona da casa. Enquanto isto, outra repórter, esta da TBC fazia a passagem. "Com este acordo,botijão de gáis... Gaís?! Gaís não. É gás", corrigia-se a moça. Mas só quando os bombeiros chegaram, resolvemos entrar. Como de praxe, primeiro ciengrafistas e fotógrafos, repórteres de TV e depois, se puder, a impressa escrita. O fedor de gás alastrava-se por toda a casa. “Gente, tá fedendo gás”. Realmente estava. Todos sentiam. "Cuidado para não explodir. Daqui a pouco, nós que seremos notícias se esse barraco explodir", falou a repórter na frente da dona da casa aos risos. Deixei a minha indignação de lado, e invadi como todo o mundo a casa da senhora. Ela estava preocupada com a arrumação. Falei para despreocupar, ela não havia sido informada desta invasão.

Fiquei atrás, enquanto dois bombeiros, inclusive mais quatro bombeiros mirins ficavam na cozinha. A situação aí só piorou. A encenação era geral. A casa, composta pela sala pequena sala para onde iam a cozinha. De lá, só os fundos, já quase toda desabada. "Não durava mais dois verões, até cair o restante, e a casa ser interditada pela Defesa Civil", comentei com o bombeiro mirim, o qual eu entrevistei. A dona da casa procurava desesperada uma chave de fenda, para que o bombeiro pudesse enroscar a válvula na mangueira de gás, que foi trocada. E a repórter, apressada, dava broncas pela demora. "Desculpa gente, mas o material precisa entrar no jornal do meio-dia".

Está bem, ninguém sobreviveria se a reportagem não passasse no meio-dia. Ela, para apressar o serviço, queria que usassem uma linguagem não tão técnica. Sobrou até para a dona da casa, que foi obrigada a confessar a negligência. Serviço feito, a repórter sai. Sobra um pouco de espaço. Uma olhada em volta da casa, só sobrou eu. Até que eu não precisei perguntar muito. Logo, a moradora já dizia abertamente o porque não tinha trocado a válvula quando sentiu o cheiro de gás pela casa. “Pensei que fosse o gás”. Ta certo. Ouvi o rapaz do corpo de bombeiros. Ouvi as explicações técnicas acerca do problema. Acho que está bom. Despedi-me.

Deixei a casa. Só tinha eu da dita "Imprensa". Todos foram embora. O papel da imprensa (eu incluído) já estava cumprido. Alguns bombeiros não viam a hora de irem para casa. Enquanto alguns bombeiros mirins precisavam voltar às suas casas. Tinham que ir à escola no período da tarde. Entro no carro, já despreocupado. Na saída, uma equipe do corpo de bombeiros continuava a fazer a vistoria no restante das casas.


Trilha: Emílio Póvoa, região central de Goiânia

quarta-feira, novembro 08, 2006

Por que não alisa esse cabelo?

De forma levemente contida, duas crianças pulavam. Não se importavam com nada. Não que fossem totalmente desavergonhadas. Simplesmente brincavam como qualquer um que tivesse a idade delas. Os pulos só não eram maiores pela impossibilidade física. Não tinham mais de 1,40 de altura. Magros, as cabeças sobressaíam ao resto do corpo. Voltavam da escola, por volta de 12h30. Ela ainda vestia o agasalho jeans, usado para abrigar o frio da manhã, com o uniforme branco. O tom negro da pele combinava com a tiara vermelha, que compunha o visual. Já o menino, sem tanta vaidade, vestia o uniforme branco com a calça jeans apagada além do tênis camurça já envelhecido.

Naquele minuto não olhavam para mais ninguém no ônibus. Só havia os dois em um diálogo diferente, de sorrisos e toques carinhosos. Como um pequeno beliscão no rosto do irmão, ou mesmo a proximidade, na hora dos pequenos pulos. Em poucos segundos, a iluminada cena não se alinhava mais com um pôr do sol. Mas com as sombrias tempestades. Já na primeira frase, uma senhora baixa, roliça, com os cabelos desgrenhados, saia rodada, e camisa cinza, fez com que aquele ônibus entrasse novamente na Idade das Trevas. “Por que não passa um creme nesse cabelo para alisar”, disse a senhora para a menina, com no máximo uns sete anos.

Encostada no eixo que une as articulações do ônibus que anda pela Avenida Anhanguera, a criança nada respondia, tampouco esboçava reação. O irmão, também paralisado, parecia não entender o que ocorria. Enquanto isto, a senhora continuava a desferir lições de beleza. “Fica mais fácil para pentear. Eu mesmo passo creme nos cabelos das minhas filhas tudo”, dizia. E logo depois disparou. “No salão eles tiram estes cabelos de piaçava tudo”, falava enquanto tentava olhar para o rosto da criança.

“Ela é linda”, retrucou o moço que estava do lado da senhora. Enquanto a senhora continua a disparar impropérios, o moço virava a cabeça, em sinais de desaprovação. As crianças, alheias à discussão, pareciam assustadas. "Ela é linda desta jeito, com este cabelo", continuava o moço. Enquanto a senhora, continuava a falar das maravilhas dos cosméticos. Pego aos pulos, em sobressalto, a cena me deixou paralisado. Também com sinais de reprovação, apenas disse que era um absurdo ela achar que para ser bonito é preciso ter cabelo loiro e liso.

Muito pouco. Queria aproveitar a cena para falar a todos do absurdo que aquela mulher dizia. A cena, um microcosmo social, demonstrava mais. A paralisia geral causada por tanto dispaltério. A vontade era de discursar ao estilo Martin Luther King. Mas para quê? A minha vontade era de mostrar aquela mulher o quanto ela estava errada. Mas para quê? Se no Brasil não há preconceito. Talvez eu esteja errado. Talvez deva me integrar ao que já está inscrustrado na sociedade brasileira. A maldita democracia racial.

Trilha: Eixo Anhanguera, perto da plataforma do Jóquei Clube

sexta-feira, novembro 03, 2006

Tempo x Espaço = Indiferença

Asfixiado com uma sensação de cansaço. Parece físico. Em outras horas, parece que não se quer nem pensar, refletir, olhar. Uma inanição que nem mesmo a mais forte droga pode conter. Como uma máquina, primeiro o pé direito, depois o esquerdo. Os braços ajudam no equilíbrio. Pronto. Está em pé. Passos apertados na tentativa de derrotar o tempo. Este implacável, ri à toa, com a brincadeira que ele mesmo criou. Para vencê-lo, só mesmo de forma robótica.

Os olhares perdidos, não querem se entrecruzar. Se dirigem para a rua, chão, parede. Mas basta que em uma fração de segundos o olhar se encontro com o outro para que se perceba o inevitável. Não estamos sozinhos. Mas o piloto automático logo se dá conta da besteira que fez. Volta-se novamente o olhar para o longínquo, o distante, o infinito. Sem perceber que o infinito também se compõe do tocar, cheirar, sorrir, se afeiçoar.

“Só amamos o que conhecemos”. Vencida a barreira do tempo e espaço com as tecnologias. Agora é descobrir o que se faz com isto. Já que o tempo sempre frustra, com a sua falta; enquanto o espaço nos deprime com o imponderável sonho de conhecer cada cantinho deste mundo. Apesar do avanço da tecnologia, que poderá nos levar à Lua, Júpiter, ou Saturno, falta um preparo para lidar com todas estas possibilidades.

Um preparo que só teremos com uma experiência e de uma reflexão insistente e antiga. “Afinal, qual a nossa missão na vida?”. Enquanto isto, saltamos os mendigos das ruas. Tapamos os ouvidos com os nossos “i pod´s”, para não escutar os desagradáveis choros emitidos por quem não tem o que comer. Desviamos o olhar, nem que sejam para as paredes, para não ver as feridas do mundo.

Durante o programa Fantástico, o psicanalista e filósofo Jurandir Freire Costa citou três tipos de indiferença da nossa sociedade. O primeiro – mais comum – das elites em relação aos pobres, que são vistos como “coisas”, não como pessoas. A explosão da violência urbana resulta do segundo tipo de indiferença, infere ele, a dos excluídos em relação às elites. A terceira é da própria elite, em relação a elas mesmas. Daí o consumo dos diversos tipos de drogas, com o consumo de tranqüilizantes, antidepressivos, cocaína, entre outros.

Com tudo isto, como julgar a indiferença de turistas estrangeiros que tiram fotos na Praia Vermelha no Rio de Janeiro sem se importar com um corpo de um morto jogado no calçadão? Pelo que se vê, é preciso mais do que encurtar as barreiras de espaço e tempo. É preciso encurtar as relações sociais, ao evidenciar as diferentes realidades e a universalidade de sentimentos considerados universais. Afinal, ainda temos muito o que aprender com o outro, com o diferente.

Trilha: Em qualquer lugar se que vá

quinta-feira, outubro 19, 2006

Reflexões de um sonolento

Vamos lá Hebert. Amanhã eu preciso tirar este post horrível que está em baixo. Não que tenha ficado tão medonho e horrendo assim, mas porque não agüento mais vê-lo. Só é um incômodo. Mas então, o quê escrever? Vamos pensar!!

Opção 1: Bem! Posso dizer que estou cansado de algumas coisas. Posso fazer algumas reclamações. Mas não creio que os leitores possam estar interessados em algo do tipo “Minha vida de cachorro”. Talvez no próximo “post”, quem sabe? A minha vida anda bem. Não estou com espírito de choras as pitangas.

Opção 2) Posso montar ou analisar à minha maneira a atual conjuntura político-emocional destas eleições. Talvez as aulas durante a faculdade, as conversas de barzinho, juntamente com as minhas pseudo-reflexões na hora da escolha do voto possam me ajudar a compor um cenário diferente do que vem sendo dito nos meios de comunicação convencionais.

Opção 3) Ver um filme, ler um bom livro, ouvir uma boa música é algo que todos aqui apreciam. Mas em questão de qualidade, não posso escrever nada concreto. Afinal, gosto de Ivete Sangalo, Banda Eva e Timbalada. A minha baianidade não permite falar mal do “sertanojo”. Vamos falar de rock então? Não tenho ouvido nada novo. Parece que tão reformulando tudo. Próximo assunto. Este já se esgotou.

Opção 4) Falar da vida dos amigos e dos colegas. Seria legal. Afinal, como diz um blog que tem por aí: “Falar mal faz bem”. Até que eu queria viver de fofoca (sinceramente), mas a minha formação boboca-ética-humanista que tive na Universidade não me permite fazer isto. Só as fofocas oficiais, tipo, doutor sicrano diz isso. As ôtoridades desejam isto. O secretário não sei lá das quantas anunciou aquilo.

Puxa, mas para quê eu tenho a obrigação de escrever. Sei lá. Acho melhor eu dormir mesmo. Ao invés de ficar pensando isso. É melhor eu pensar nisso amanhã. Quando eu vou poder escrever (em tese!!). Se eu tivesse com a internet (Estou sem net em casa galera!!) talvez até me empolgaria em escrever. Daqui a pouco ninguém vai mais entrar aqui nesse blog. Mas coitado das pessoas que ficam lendo estas porcarias. Tantas coisas boas para se ler. Acho melhor eu realmente dormir.

Tô com sono, amanhã o dia é longo. Vixi, hoje é dia de Santa Edwiges. Vou rezar para ela. Mas eu nunca rezo durante à noite. Acho que ela vai me achar bem oportunista. É o seguinte, ajuda se quiser. Também nem tenho tantas dívidas assim(só os meus pais. mas isto é outra história). Mas Graças à Deus que eu tenho contas. Como diz, um primo economista, as contas não são para serem liquidadas, mas para serem roladas. Agora eu vou dormir. É sério. Merda, com esta vizinha cantando com esta voz histriônica. Preciso me acostumar a dormir de madrugada novamente!! mas já está tarde. Agora é sério. Boa noite!!!

Trilha: Pensamentos de um insone!

quinta-feira, setembro 28, 2006

Tempo de Levantar

Domingo cedo. Destranca o quartinho dos fundos. Acende a luz. Limpa a poeira. Ali, as primeiras manobras. De ré, tira a motocicicleta do cubículo. Porta encostada. Passa pelo corredor. Tudo para não sujar a casa. Seu pai já havia saído. Na calçada, o carro estacionado. Choveu a noite toda. Percebe-se pela água que cai na cabeça, quando as árvores balançam. Setembro típico.

Clima úmido. Asfalto quase seco. A cidade não era tão grande. Ao menos parecia. Pensava nas aventuras enquanto distanciava-se do ninho. Nas serras driblava o limite de velocidade. Resolve não apertar os freios. Rala-se todo. Das pernas aos braços. Na hora pensa como um herói. Daqueles recortados dos desenhos japoneses. Destruídos, mas sempre em pé.

Com a ajuda dos companheiros. Desce a serra íngreme, com a motocicleta parcialmente empenada. Tenta desviar os olhos dos que passam. Talvez pena, curiosidade ou angústia. Desce a rua. Percebe que não dói tanto. Acostuma-se. Toma coragem para olhar. Percebe que não há vergonha. Começa a pedalar. Deixa os outros para trás. Limpa as lágrimas. Suja o rosto com a poeira. Caiu. Apenas uma. De várias.

Trilha: Em qualquer lugar

Ps: Mais uma reflexão pseudo auto-ajuda. Como o filão que mais cresce, devo me especializar. Mas nada de psicografar. Tenho medo de espíritos.

domingo, setembro 17, 2006

Plano de Promessas

Há dias me afundava em números. Nada de chegar a um consenso. Alguns simplesmente não batiam, outros não iam ao encontro do que gostaria de exemplificar no texto. Os dados eram sobre a educação. A proposta? Provar que os governadoriáveis não teriam recursos suficientes para a efetivação das suas principais promessas - escola em tempo integral e erradicação do analfabetismo.

Sentado no banco de um ônibus, percebi que os números tornaram-se um retrato infiel e desumano de um problema ainda crônico. A cena: uma senhora pede para que um rapaz fizesse algumas contas. “Sra, vou descer no próximo ponto”, dizia em pé já puxando a cordinha. “Mas vai dar tempo. O ponto está longe”, falava aflita. “Chegou, desculpa”. Agora, a sra. olhava em volta para pedir ajuda novamente.

Enquanto isto, os candidatos continuam com o mesmo falatório inútil no horário eleitoral custeado pelo bolso do cidadão. Dizem apenas que vão erradicar o analfabetismo, mas nem mencionam como farão. Não se preocupam nem com os números de analfabetos, orçamento que terão para gerir uma possível campanha. Imagine com a realidade de um analfabeto. A culpa poderia ser creditada apenas aos postulantes e às suas assessorias. Mas isto seria reduzir a questão, em um País que a estrutura estatal não tem o hábito de avaliar as suas ações. Também poderíamos dizer - ainda que de forma perigosa -que este é um traço do funcionalismo público brasileiro.

Não há pesquisas quantitativas, muito menos qualitativas, que apontem rumos e mostrem deficiências nas gestões. Dependendo do humor da pessoa, ou da hora que se é atendido, os números da educação, por exemplo, mudam com uma rapidez incrível. Alguns documentos precisam simplesmente de uma banca de especialistas para análise. Ao invés de cobrarem, os candidatos preferem seguir a maré. Assim, a despolitização continua ao confeccionarem planos de promessas como se fossem planos de governo.

Alguns parecem redigidos a partir de reportagens de televisão, de tão superficiais e genéricas. Os políticos, afinal, não podem perder tempo com estes pormenores. Precisam viajar de cidades em cidade para pedir voto, sem entender as diversidades dos problemas da população. Pela pressa e falta de planejamento, não constroem uma visão qualitativa e quantitativa da realidade do Estado. Em suma: pode até mudar a panela, mas o fogão vai continuar o mesmo.

Trilha: Ônibus Parque Oeste-Centro

quarta-feira, setembro 13, 2006

Já vi este filme

Sentado em frente ao computador. Sem nada para fazer. Sem nenhuma obrigação para cumprir. A missão: apenas tentar vencer o exército adversário (no caso, os socialistas) do game Red Alert. Nas horas de folga, leitura de um livro, ou uns DVD´s, enquanto enchia o “pangu” de comida na cozinha.

Tudo lembrou a minha adolescência. Principalmente quando escutei Green Day (as músicas antigas), Matchbox 20, Edwin Mccain, Brian Adams ou New Radicals novamente. Estava em casa novamente. Não veio um filme na minha cabeça. Afinal, não estava bêbado, drogado ou nada parecido. Foi mesmo um estalo. Em frente ao computador, jogando ou ouvindo música, parecia que havia voltado no tempo.

Meu pai entrando fazendo barulho. Minha mãe gritando lá embaixo para avisar que a comida já estava pronta. O meu irmão e suas palhaçadas. Ah!! Também teve as brigas que saiam enquanto conversávamos na cozinha. Só faltou a minha irmã brigando com o mundo, e com todo o mundo. Tudo isto dentro de um forno chamado Barreiras.

Na época não achava a menor graça. Por isto não sinto saudades. Estas cenas só me fazem feliz hoje. Até porque percebo que a distância em nada alterou o que sinto por minha família.

Trilhas: Barreiras city, mais precisamente na minha casa

segunda-feira, setembro 04, 2006

De mãos atadas


Maria, Marleuza, Marlene. Apesar da aparência dos nomes, estas mulheres não se conhecem. Talvez nunca passaram nem mesmo os olhos umas sobre as outras. Mal sabem que entre elas há um laço forte. Em seus olhares perdidos e vozes embargadas, não conseguem explicar como os filhos desapareceram. Elas tentam, procuram explicações, como se eu pudesse de fato ajudá-las. Neste caso, não passo de um bom ouvido, nada conselheiro.

Maria das Graças procura ainda esperançosa o adolescente Murilo Soares Rodrigues, de 12 anos, desaparecido desde o dia 24 de abril de 2005. Ele estava junto com o servente de pedreiro Paulo Sérgio Pereira Rodrigues, 21, quando, segundo testemunhas, foi abordado por policiais militares da Rotam, na Vila Brasília, em Aparecida de Goiânia. A partir de então não foram mais vistos. Depois de um ano de desaparecimento, ela ainda continua a sua luta para encontrar Murilo, mesmo com a dor que a faz visitar regularmente psicólogos e tomar anti-depressivos.

Marleuza soube que durante os 40 dias que esteve desaparecido, W.R. perambulou pelas ruas do bairro Vera Cruz 2. O adolescente passou fome e fugiu sempre de qualquer um que ousasse a procurá-lo. A mãe, Marleuza, sofria com a insegurança de não saber onde o filho estava. Ela ainda se angustia ao tentar entender o comportamento do adolescente de 12 anos, que em dois anos já fugiu duas vezes. Depois de encontrado, W.R. argumentou sofrer maus tratos dos familiares, mas sem especificar o agressor.

Marlene simplesmente não entende o que aconteceu. Sua filha, a adolescente C.B.R, prestes a completar 17 anos, desapareceu de casa no dia 18 de julho, no Bairro da Vitória em Goiânia. No dia da fuga, ela vendeu uma mesa e alguns tapetes, que renderam em torno de R$ 150. Às quatro horas saiu com uma mochila, onde colocou três conjuntos de roupa. Ela disse que ia para Itaberaí, passar um tempo na casa do pai, Closimar Ribeiro dos Santos, com quem já morou alguns anos, logo depois da separação dos pais. Marlene descobriu que a adolescente não chegou ao seu destino.

Na tentativa de relatar o drama e o sofrimento destas lutadoras, as trilhas foram as mais diferentes. Da impotência, passando à superficialidade dos relatos diante da magnitude dos sofrimentos. Termino com a consciência de que nos casos de desaparecimento nem tudo é o que é. Senti-me com as mãos atadas. Além da frustração de saber que a esperança dessas mulheres recaíram sobre mim, por um minuto, sem que eu pudesse fazer absolutamente nada.

Trilhas: Bairro da Vitória e Cidade Jardim, em Goiânia
Foto: Maria das Graças, com a foto de Murilo Rodrigues
Crédito: Michel Capel

terça-feira, agosto 29, 2006

Só pagando para ver!!!


"Por quê não?" Não quis nem saber de esperar o carro do jornal. Já eram mais de 22h00. Desliguei o computador, no qual fiquei sentado por horas a fio, guardei as minhas coisas no armário e fui embora. Porque não? Já estava tudo acertado. É só aparecer. Às vezes parece ser bem dificil tomar uma decisão. Depois de tudo acertado, mochila nas costas, lá vai eu pensando em chegar atrasado, para que o ônibus saísse, e eu não fosse para Caldas Novas. Coisas da minha cabeça. Resolução nº 1: Parar de me preocupar com tudo.

Já dentro do ônibus que ia direto para Caldas, pensei como a gente fica preocupado à toa. Às vezes, quase sempre, digo que no final tudo vai dar certo. Só que nem sempre consigo seguir esta premissa. Uma manhã de sábado nublado. Acordei cedo. Estava a observar quem passava na T-63. Se eu não estivesse aqui, à esta hora estaria na cama rolando de um lado para o outro. E com raiva de não ter mais sono em pleno sábado. Durante todo o dia, iria assistir a programação da Globo de sábado, incluindo o casal Angélica e Luciano Huck. Em suma: só de viajar já estou no lucro. Resolução nº2: Nunca recusar uma viagem, principalmente quando for tudo na faixa.

"Sr, o seu cartão. O sr. precisa do cartão para tudo o que for consumir dentro do park. Não o perca", avisa o recepcionista durante o check in. Passo o cartão para entrar no apartamento 6077. Até entender a logística, foram alguns segundos. Mais demorado, foi para conseguir acender as luzes. Até me tocar que "tudo" realmente dependia do bendito cartão. Acendidas as luzes, fui para o quarto. TV grande com canais por assinatura, cama de casal, lençóis e toalhas limpos, ar condicionado, varanda, frigobar lotado de bebida. No fim da estada, fiquei com vergonha até de perguntar o preço. Resolução nº3: Quero ganhar dinheiro.

"- Que água quente!! Como vocês conseguem ficar aqui dentro. - Por isto que chama Rio Quente, Hebert". Mas nestes casos a gente só acredita vendo. Quando eu sai da água, entendi porque as pessoas não saiam nem para comprar cerveja. Mesmo assim ainda prefiro as águas gélidas do Rio de Ondas. Acorda até bêbado. No mais, uma mulher com a voz stereo surround tentava animar a galera. O melhor era a narração da prova de natação disputada entre os botinhos e os hóspedes. Coisa trash!! Até de baixo da água, ouvia a mulher gritando. Faltou apenas aquela ginástica coletiva dentro da água. Imagino aquelas águas nos feriados, ou nos Caldas fest da vida. Resolução nº4: Quem tá na água é para se molhar. Aproveite!!

Voltando para casa, morri de rir das histórias que os outros jornalistas contavam. "Como podem trazer o Oscar para Goiânia, sem antes oferecer alimentação, moradia para as pessoas carentes", retrucava a estudante de jornalismo para um assessor de comunicação do Governo de Goiás. "Vocês inauguraram o Oscar e ele ainda nem está funcionando", continuava a moça, mais irritada. Ao menos ela é boa de suspense. Só depois de alguns minutos, descobriram que ela se referia ao Centro Cultural Oscar Niemayer. And the Oscar goes to... Resolução nº 5: Rir é o melhor remédio.

Trilhas: Goiânia-Rio Quente e Hot Park

sexta-feira, agosto 25, 2006

Vida mais ou menos!!!!

Puxa!! Que formigueiro é esse? Pensei.
-Também custa R$ 0,45, respondeu uma garota ao lado.
-Que sincronicidade. Mas isto já virou pensamento comum, retruquei comigo mesmo.
Depois não vi mais a garota. Resolvi esperar um pouco mais na plataforma, de onde desci de um eixão igualmente lotado. Agora ele se dirige ao Setor Universitário. Não precisa falar que quase fiquei dentro dele, encostado naquela bola que divide os vagões. Parei para pegar o circular 401 em direção à T-7, de onde andaria até à av. 85, onde está o meu curso de inglês.

-Falow, Hebert. Vou descer por aqui.
Este foi o Thiago se despedindo. Ele ia pular a plataforma para pegar o ônibus da Vila Brasília, ou o Flamboyant-Praça A, dependendo da conveniência e de ver qual está menos cheio. Até porque nesta hora, não existe ônibus menos vazio. Puxei o celular do bolso. Eram 18h27. Agora a fila da plataforma do eixão começa a esvaziar. Só que vem outro atrás para despejar mais uma galera. É melhor eu descer logo esta plataforma. Corri, trombei com algumas pessoas. E quase levei uma “caixada”. Um “tio” na minha frente segurava uma caixa na cabeça, pronto para cegar um, e não tava nem aí para mais ninguém. Ufa!! Consegui me livrar dele.

“Graças à Deus, o circular estava ali, paradinho no ponto, pronto para eu subir. “Vou chegar cedo no inglês. Ao menos um dia”, pensei novamente. “Puxa, é verdade. Kra, como é difícil a gente prestar atenção nos outros. Está tudo tão corrido. Vou escrever no meu blog falando de mim mesmo. Por exemplo, desta canseira que é pegar este ônibus na praça A e ninguém fala nada. Mas a R$ 0,45, também. Mesmo assim, as pessoas precisam reclamar”.

Agora o ônibus começa a sair, daquele jeito, de quem está carregando uma boiada. Se o povo não se segura. Não sabe nem onde vai parar. Ele atravessa a praça. Passa dois carros xingando. “Mas se a gente pôr na balança, o ônibus tem mais gente. Ele precisa passar mais rápido, mesmo que de forma imprudente. Fui egoísta agora. Merda, to bem embaixo deste xororo. Rádio Terra, ninguém merece. Eu devia parar com esta besteira de especialização e juntar dinheiro pra comprar um carro. Ou uma moto. Olha aí, a mulher dirigindo. Nem tem tanto perigo. Caraca, quase que a mulher a moto foi jogada longe. Ao menos ela estava de capacete”.

Entrando na Assis Chateaubriand, continua o cornelejo, desta vez é o Edson e Hudson. Mudei de idéia, pegar ônibus nem é tão ruim. Sobrou até uma vaguinha. "A senhora quer sentar?", ofereci. "Não, já vou sair agorinha, muito obrigada". Merda, vou chegar cedo no inglês. Sou jornalista, gosto de chegar na hora, em ponto, nem cedo, nem atrasado. Agora vou ter que esperar. Devia acontecer uma sincronicidade legal aqui comigo. Melhor não, depois eu sou assaltado. Deixa do jeito que está. Sai do ônibus em frente ao fórum. Ando, normal, mas como sempre apressado. Pra quê, não to atrasado, me pergunto. Cheguei. Nossa tenho dois textos pra entregar amanhã. Que merda!!, penso ao entrar pela porta da escolinha de inglês.

Trilhas: Eixo Anhannguera - Cascavel à Praça A
Circular 401 - da praça A até o ponto do Fórum

domingo, agosto 20, 2006

Entre o sonho e a realidade


- Que dia decidiu ser jornalista?, perguntam.
- Não sei!! Talvez vendo algum jornalista conversando com uma celebridade, alguma série de reportagens especiais que denunciava a fome na Etiópia. Há também aqueles que se arriscam as suas próprias vidas nas guerras, ou embaixo de um bendito muro que caiu. Talvez eu queira uma profissão sem rotina, sem marasmos, e que ajude muito as pessoas (olha a pretensão!!). Eu também queria viajar muito pelo mundo.

Como é ser jornalista?
É uma profissão técnica, no que diz respeito ao dia-a-dia burocrático de burilar as informações, e principalmente em sua checagem. No final, precisa-se descobrir o que é mais relevante. Colocá-las em ordem de importância. A linguagem não pode ser complicada. É para o maior número de pessoas ler. Resolvem-se alguns pepinos com fotógrafos, diagramadores. O editor checa. E pronto! Lá está a página com a sua matéria assinada. Dependendo do processo da empresa, isto pode ser feito em até uma hora. Qual a garantia de que as pessoas lerão estas informações? Nenhuma, talvez.

A primeira resposta era de uma auto-entrevista, enquanto perambulava com a minha bicicleta pelas ruas e vielas de Barreiras, aos 16 anos de idade. Naquela época, era cursinho à noite, inglês à tarde, escola de manhã. No fim de semana, algum vídeo de locadora para descontrair. Ou sair com os amigos, que hoje, apenas reconheço pelo orkut. Nos meus papos estavam as provas da Unb, UFG, UFBA, onde pretendia fazer Direito ou Jornalismo. Naquela época, tinha um pouco de vergonha de dizer que queria ser jornalista. Meus parentes, principalmente o meu avô (já falecido) dissera sempre para cursar o tal do Direito. Decidi seguir o que realmente eu queria!!

Hoje, depois de formado, devidamente empregado, tento saber o real motivo que me fez seguir esta profissão. Talvez para mim, o Jornalismo possa ser uma arma para atacar a minha timidez, que impediria, caso seguisse outra profissão, de conhecer pessoas, com ideais diferenciados, sejam bonitas ou feias, carrancudas ou sorridentes, interessantes ou ingênuas. Passearia, ao mesmo tempo, nos mais diferentes lugares, sejam os barracões dos pobres, ou nos salões dos ricos. Colocaria-me em situações conflitantes.

Só com o Jornalismo a minha curiosidade seria saciada. Iria conhecer, viajar, discutir as mais variadas polêmicas com os colegas, e posteriormente, amigos de profissão. Era com o tal do Jornalismo que poderia me encontrar psicologicamente com a experiência acumulada com os anos de redação, acumulando histórias e experiências alheias.

No fim da linha, uma casa na praia. Ou, então, no aconchego do lar, com o calor inebriante de Barreiras, em frente ao rio de ondas. Há também a escolha do riachinho da minha infância, onde aprendi a desbravar o medo da água, dos bichos, as longas distâncias percorridas para encontrar a próxima aventura. Mesmo que a aventura fosse ficar o maior tempo possível debaixo d´água, sem respirar.

Trilhas: Divagações acerca da profissão

quarta-feira, agosto 16, 2006

Ritos de Passagem

As nuvens cobriam grande parte do centro da cidade. O clima abafado obriga os pássaros se locomoverem rapidamente. Ao passarem pela cruz, situada no alto da Catedral São João Batista, os sinos já badalavam em um ritmo forte, sem nenhuma parada ou alternância. Os passos das pessoas que acompanhavam o cortejo traduziam a pressa da última viagem. Os degraus eram os últimos desafios, sempre respaldados por quatro mãos, que carregavam de forma cautelosa o caixão.

O silêncio rompido pela entrada torrencial trouxe à igreja um ar pesado. Junto de familiares e amigos, entrava Edgard de Freitas Regis (1920-2006). Parou no centro, entre o altar e as cadeiras. Jesus Cristo crucificado em cima, o seu corpo embalsamado no meio, e a união de todos em prol de um único sentimento: o pesar. Não houve tempo de lutar contra o câncer, que deixara o pulmão, passara pelo baço, fígado e rins. As dores das duas últimas semanas reforçaram o seu heroísmo diante da vida, lembrado nas conversas consoladoras entre os parentes.

As orações e canções misturavam-se aos choros contidos, às lágrimas insistentes, rostos cabisbaixos e um certo caráter de reprovação contra o inevitável. “Edgar era um homem alegre, gostava de muita alegria, desta forma deve ser lembrado”, recordavam durante a missa. Difícil era a alegria em um momento como aquele, mesmo para um dono de um bar, sempre rodeado de alegres amigos, unidos pelo copo de cerveja, música ao vivo emitida pelo som do seu violão. A música composta para o próprio enterro não ecoava na catedral, mas sim as melancólicas e uniformizadas badaladas dos sinos da São João Batista.

Trilha: Entrada da Catedral São João Batista, juntamente com as saudades do tempo perdido

quinta-feira, agosto 10, 2006

Sonho que é sonho, precisa ser concretizado


O sol e o tempo abafado não davam trégua. Ao contrário da maioria das casas do Assentamento Varjão, localizado na Cidade de Goiás, a casa de Elza da Conceição Silva dos Santos localiza-se bem pertinho da rodovia. Podíamos ver até as paredes brancas ao redor das plantações de banana, abóbora, mandioca e pimenta, além de um vasto terreno, quando ainda abríamos a porteira. O sorriso da Dona Elza (impossível não chamá-la assim) vem como um convite ao abrigo do sol escaldante. Na sala, os dois sofás fazem par com a estante, repleta de porta-retratos. As fotos da senhora de 59 anos e do seu esposo José Moreira dos Santos, 49, já amareladas pelo tempo, contam um pouco a história do casal. A pequena estante também sustenta uma televisão, de modelo bem antigo.

Espalhadas pela sala, mais fotografias, também corroídas pelo tempo, assim como as paredes que a sustentam. O cômodo, que inicialmente servira como uma trégua ao castigo do meio-dia, foi trocado rapidamente pela cozinha, onde havia água à vontade para os visitantes. Da água, os olhos fixaram-se mesmo foram nos mais variados potes de pimenta, que Dona Elza guarda em cima do armário. Todos emergidos em água salobra, para evitar que se perdessem. Presa em seus sonhos, assim como as pimentas que conserva, estava a vontade de começar o cultivo da mais forte delas, a pimenta malagueta. "Isto ficou me pertubando por um longo tempo. Toda vez uma moça bonita, vestida de roupa branca, vinha em meu sonho para me oferecer uma pimenta malagueta", recorda-se.

Para mostrar a concretização deste sonho, Dona Elza não se incomoda com o sol do meio dia. Com os pés no chão, ávida para mostrar o seu xodó, pôs-se a andar com pressa até o lugar onde estão plantados os seus 256 pés de pimenta malagueta. Graças ao "sonho" de Dona Elza, outras 150 famílias em dez projetos de assentamento espalhados pelo estado também a cultivam em seus quintáis. Ainda na entrada da casa da Dona Elza, brinquei. - Fiquei sabendo que a senhora foi a idealizadora do projeto Pimenta? - Estas meninas são "marvadas", brincou, ao mesmo tempo que olhava rindo para Roberta e Rosely, as engenheiras agronômas do Sebrae que prestam assistência técnica ao acampamento Varjão.

Chegando perto das pimenteiras, Dona Elza faz questão de mostrar a planta com o maior rendimento. "Esta terra é abençoada", diz, levantando poeira, ao arrastar os seus pés no chão. Terra em que Dona Elza e o esposo esperaram de oito a nove meses para chamar de sua, até sair o registro da desapropriação. Sem muitos pertences e com o coração abatido por uma cirurgia, Dona Elza chegou com o marido à noitinha, quando montaram as barracas perto da estrada. "Estava empregado na cidade, quando o proprietário da fazenda contratou algumas pessoas para ficarem no terreno. Não teve nenhum problema, inclusive a gente podia trabalhar na terra em alguma clareira da fazenda, conta José Moreira. Depois da desapropriação da fazenda, em 1997, o momento mais importante para os dois: a escolha dos lotes. "Na hora eu disse que ficaríamos no mesmo lugar, não sairíamos dali. Todos começaram a rir e a brincar. Até quando foi sorteado o número um" relembra. "Depois disso, disse que poderiam sair dali. Aquela terra era minha", diverte-se.

Mais do que concretizar o seu sonho, nesta terra, Dona Elza transformou a realidade dos assentados rurais do estado de Goiás. Realmente foi de Dona Elza a idéia de implantar o Projeto Pimenta. Roberta e Rosely apresentaram a idéia aos coordenadores do Sebrae-GO. "Sempre quando chegávamos aqui, Dona Elza perguntava sobre o projeto das pimentas", acrescenta Roberta. O Sebrae o Incra distribui este ano, com a implantação do projeto, mudas a baixo custo. Um Kit composto de 256 mudas, inseticidas e adubos, que custa R$ 70, saiu por R$ 30,00 para o pequeno produtor. Dentro de seis meses, cada família deve receber R$ 250 por mês, com a venda do produto, já garantida, para uma empresa de São Paulo. "Só não sabia que tinha sido de um sonho", adverte Roberta. Nem eu acreditei. No exato momento que perguntei, "sonho" era apenas uma vontade enorme de se realizar alguma coisa. Com Dona Elza aprendi, que "sonho" que é sonho, precisa ser buscado e concretizado.

Trilhas: Assentamento Varjão, na Cidade de Goiás; Sonhos de Dona Elza
Crédito da foto: João Faria

terça-feira, agosto 08, 2006

Entre a Paulista e a Consolação

Uma larga avenida. Parecia infinita. De longe, os prédios se confundiam entrelaçados. De perto, eram únicos. Com uma estética diferenciada. Na selva de pedra, como formigas, as pessoas se debatem, sem nem se conhecerem. Nem os nomes, crenças, ideologias, nada, quiça as histórias mais que supreendentes dessa jornada, que é a vida. Em um domingo qualquer, na Paulista contada em verso e prosa, um desfile do novo e do velho, do que passa e do que fica.

Os olhos não conseguem diferenciar. Não sei se olho para baixo, para cima, ou para os lados. "Não pára a fila não", diz Pollyana, meio que tentando não tropeçar em mim. Continuei em frente, com uma sensação de fazer parte do mundo, ser mais um na multidão, no mosaico de diferentes culturas. O bar, praticamente em frente ao Masp, tenta quebrar o gelo da avenida. A feirinha, ao lado, quer fazer-nos sentir em casa, com tortas, salgados, roupas tão artesanais como aquelas costuradas épocas antes.

O cuidado agora é para não pisar nos pés que andam apressados à frente. Nada fácil seguir o mesmo ritmo. Tento parecer despreocupado, com um ar de quem anda ouvindo apenas uma música na cabeça. Mas impossível não olhar os diferentes estilos de cabelos, roupas, calçados, modo de andar, de interagir. Alguns extravagantes, outros chocantes, recatados, ousados ou particularmente inebriantes.

Agora sim, no fim da Paulista. Pego-me em desespero. Olho para trás subitamente. Paro para observar a extensão da avenida, da grandiosidade das suas estruturas. Outdoors de publicidade, letreiros, avisos, nomes de prédio. Queria que tudo estivesse em minha memória. Relaxo. Passo a andar novamente. Na minha frente, parcialmente esquecidos, Eduardo, Francila e Pollyana andam rápidos para atravessar o sinal. Corro atrás deles, antes do verde farol fechar-se para mim. Uma última olhada. A Consolação? Esta que vem à frente, compartilhada com aquilo que realmente fica neste trajeto à la paulista: a amizade.

Trilha: Avenida Paulista, em São Paulo