terça-feira, julho 24, 2007

Top do Eixão

Sair de casa, ir ao terminal da praça da Bíblia (agora mais perto de casa), pagar os R$ 0,50, e disputar uma vaga entre os humanos para entrar nos bi-articulado do eixo Anhanguera, parece realmente uma batalha. Uma rotina, que a partir do último mês, passou a ter uma trilha sonora. Sem cantor ou banda, música ou propaganda pré-definida, escutar rádio parece mais adequado aos balanços do eixão. “Paga.. pa...pa...paga o IPTU. Tá muito caro prefeito”.

Para agüentar o transporte público em Goiânia, que beira a uma tragédia sem fim, só mesmo com um fone de ouvido. Depois do pen-drive quebrado, o disk man voltou à ativa. Como ele fica jogado dentro da bolsa, praticamente lacrado, preciso ter sorte para passar uma música que realmente eu curta. Um rock parece mais adequado ao movimento. “What I´ve done. I´ll face myself. To cross out”. Quando passa uma balada romântica, o jeito é olhar para fora. A sensação é a mesma de quando a gente está em um elevador lotado sem conhecer ninguém. “When you-re gone. The pieces of my heart are missing you”. O jeito é continuar a ouvir. Mas só com um fone. Assim como acontece com os intermináveis e gritantes comerciais de rádio.

Às vezes, andar no ônibus ouvindo música parece um clipe de música, mal feito, daqueles clipes da MTV, quando os cantores começam a carreira. Improvisados, daqueles que as pessoas passam na frente da câmera, sendo que alguns olham, e outros até, dão uma risada bem grande, e termina tudo com uma pessoa de braços abertos para o sol. Acho que aquela nova do skank cairia bem neste estilo de clip. “Uma canção é para acender o sol, no coração da pessoa. Para fazer brilhar como um farol. O som depois que ressoa”.

Se ouvisse rádio Terra FM, acho que teria esta mesma sensação. A qualidade do clipe, no entanto, seria pior. Em outros momentos, deixo de prestar atenção nas pessoas e na profusão de entra e sai, viro-me para a janela. E novamente, vem à cabeça aquelas cenas de novela, quando querem mostrar o cotidiano. As gravações sempre acontecem dentro de feiras, terminais de ônibus e no centro da cidade. No eixão, a novela nunca parece sair do subúrbio, apesar de passar pelos mais diferentes lugares, como o largo das rosas, pela avenida Goiás, e pelas periferias da cidade.

Dentro do ônibus, na feira, andando apressado pelo centro de alguma cidade, ou eu mesmo, dentro daquela bola que balança, ouvindo uma canção do estilo skank para os românticos, ou então, aquela nova da Fergie (rasga nega), que passou no Big Brother. “da da da da... I hope you know. I hope you know. That this has nothing to do with you”. Vou ouvindo a rádio Interativa Fm, porque é a hora do top 10, e como eles gabam em dizer, não tem muito comercial. E como não fico muito à vontade para abrir a mochila, tirar o disk man, e mudar o dial, o jeito é ouvir o que vier.

O importante é concentrar na letra, e esquecer o restante. Quando a letra é inglês, melhor ainda, tentar traduzir. Aquela nova do Akon parece tranquila. “Nobody wanna see us togetther, but it don´t matter no. Cause I Got you baby”. Quando alguém começa a gritar. “Olha a água. O copo é R$ 0,50 e a garrafa R$ 1,00. Olha a água”. Está bem, começou a parte do rap mesmo, aí não ia ter como concentrar na letra. Viro-me dentro daquela bola, que fica entre as articulações do eixo. Vou ficar olhando para fora mesmo. Às vezes ameaço a mexer os lábios, mas sem emitir nenhum som. Só para acompanhar o ritmo.

Acho que estou chegando ao ponto da cascavel, um ponto antes do terminal do Dergo. Acreditem, esta é a hora mais complicada, que precisa de técnica, experiência, e um pouco de falta de educação. Chegou a hora de sair do eixão. Nesta hora, a música da Ivete Sangalo parece bem adequada. Senão no ritmo, mas na letra. “Mas um dia vem, e deixo você ir. Deixo você ir... nannanana... Deixo você ir...”.

Quando eu saio, espraguejando até a 10º geração do povo que não sai da porta, começa a tocar aquela música da Banda luxúria chamada Lama. Também bastante adequada ao momento. “Volta, ou vai embora, meu amor. Sem ameaças ensaiadas na frente do espelho. O caminho mais fácil, nem sempre é melhor que o da dor”. Afinal, ir ao trabalho é uma relação de amor e de ódio.E de ônibus parece que a relação anda sempre complicada. Mas como ouvir música é justamente para não pensar em nada complicado. Vamos à música.... “Deixa acontecer naturalmente....”

Trilha: Eixo Anhanguera

segunda-feira, julho 23, 2007

A luta nunca acaba


A íngreme descida do estacionamento parece levar para um mundo diferente. Não que seja virtual, ou irreal, mas um mundo diferente. O elevador panorâmico dá uma sensação de liberdade. Ao abrir as suas portas, deixam-se para trás os problemas do terceiro mundo. Esquece-se que aviões explodem ao colidirem com prédios, excluídos vivem de migalhas nos sinaleiros, homens se tornam escravos, e que os políticos e juízes aumentam os seus salários, enquanto o restante da população precisa sobreviver com um parco salário mínimo.

Ao entrar no ambiente climatizado, iluminado, com o cheiro do novo e moderno, a certeza é que o shopping foi construído para uma elite preocupada em esquecer dos problemas do terceiro mundo. Ao andar pelo Shopping Bouganville detestei morar no terceiro mundo, e principalmente, ser classe média. Ao comer uma pedaço de torta (o mais delicioso que já comi), por uma bagatela de R$ 5,90, queria nunca ter entrado naquele lugar. Preferia ficar na ignorância de quem só comeu bolo de fubá, ou então, bolo de nata, que são pratos igualmente deliciosos, mas sem o fetiche do primeiro mundo, com o sabor da exclusão.

Ao comer aquele pedaço de torta, naqueles contados minutos, senti como uma classe média, que trabalha para tentar se incluir na pirâmide de uma elite, que mora nos condomínios bem longe da pobrada, usa ar-condicionado central , carro blindado, óculos coloridos, roupas de grife e freqüenta universidade pública gratuita e de qualidade. Depois de uma hora, ao subir a rampa do estacionamento, depararia com o terceiro mundo. E novamente pensaria. “Detesto ser classe média. Nunca vou me tornar rico, e vou morrer tentando ser um”.

Integro a classe daqueles que integram o “status quo”, defendem e sustentam o capitalismo, e contraditoriamente, desejam acabar com as desigualdades sociais. Apesar de ser um otimista convicto, assim como todos os brasileiros, sai do shopping com um pessimismo de críticos como Marx, Adorno, Marcuse. O mundo não é justo. As desigualdades não vão acabar. E tudo vai se perpetuar.

Das idéias de um revolucionário convicto, César Benjamim, mais conhecido como Cezinha, descrito no livro “1968: O ano que não terminou”, escrito por Zuenir Ventura, encontrei um sopro de otimismo. A luta dos revolucionários durante a ditadura produziu ensinamentos valiosos. Uma delas é que a luta nunca acaba. Os problemas brasileiros, ao contrário, ganharam uma outra forma, mascarada nos discursos dos políticos, nos números fabricados, na imprensa manipuladora, e principalmente, na acomodação de quem pensa que as coisas não mudam, e que a vida é assim. Injusta por natureza. “Nenhuma ordem totalizante impede que o campo das possibilidades seja maior do que o que está sendo realizado. O que ela consegue, em certos momentos, é impedir que se pense na possibilidade de alternativas”, avalia sabiamente Cesinha.

O que os brasileiros fazem para resolver os problemas? Muitas vezes cruzam os braços, mas em muitos momentos decisivos da sua história, resolveram descruzar os braços, e reclamarem os seus direitos de cidadãos. Para quem acha que o brasileiro tem memória curta, a história sempre se repete, com a diferença que os objetivos sempre evoluem. Da luta dos homens para a Independência de Portugal, instituição da República, fim das oligarquias e da ditadura getulista, Diretas Já, Fora Collor, sempre há uma lembrança de luta introjetada na vida dos brasileiros, que suportam como nenhuma outra nação o peso de todos os tipos de desigualdade. Em uma luta diária, que rouba por demais a força e a auto-estima do nosso povo.

Trilha: Shopping Bouganville,em Goiânia