segunda-feira, julho 23, 2007

A luta nunca acaba


A íngreme descida do estacionamento parece levar para um mundo diferente. Não que seja virtual, ou irreal, mas um mundo diferente. O elevador panorâmico dá uma sensação de liberdade. Ao abrir as suas portas, deixam-se para trás os problemas do terceiro mundo. Esquece-se que aviões explodem ao colidirem com prédios, excluídos vivem de migalhas nos sinaleiros, homens se tornam escravos, e que os políticos e juízes aumentam os seus salários, enquanto o restante da população precisa sobreviver com um parco salário mínimo.

Ao entrar no ambiente climatizado, iluminado, com o cheiro do novo e moderno, a certeza é que o shopping foi construído para uma elite preocupada em esquecer dos problemas do terceiro mundo. Ao andar pelo Shopping Bouganville detestei morar no terceiro mundo, e principalmente, ser classe média. Ao comer uma pedaço de torta (o mais delicioso que já comi), por uma bagatela de R$ 5,90, queria nunca ter entrado naquele lugar. Preferia ficar na ignorância de quem só comeu bolo de fubá, ou então, bolo de nata, que são pratos igualmente deliciosos, mas sem o fetiche do primeiro mundo, com o sabor da exclusão.

Ao comer aquele pedaço de torta, naqueles contados minutos, senti como uma classe média, que trabalha para tentar se incluir na pirâmide de uma elite, que mora nos condomínios bem longe da pobrada, usa ar-condicionado central , carro blindado, óculos coloridos, roupas de grife e freqüenta universidade pública gratuita e de qualidade. Depois de uma hora, ao subir a rampa do estacionamento, depararia com o terceiro mundo. E novamente pensaria. “Detesto ser classe média. Nunca vou me tornar rico, e vou morrer tentando ser um”.

Integro a classe daqueles que integram o “status quo”, defendem e sustentam o capitalismo, e contraditoriamente, desejam acabar com as desigualdades sociais. Apesar de ser um otimista convicto, assim como todos os brasileiros, sai do shopping com um pessimismo de críticos como Marx, Adorno, Marcuse. O mundo não é justo. As desigualdades não vão acabar. E tudo vai se perpetuar.

Das idéias de um revolucionário convicto, César Benjamim, mais conhecido como Cezinha, descrito no livro “1968: O ano que não terminou”, escrito por Zuenir Ventura, encontrei um sopro de otimismo. A luta dos revolucionários durante a ditadura produziu ensinamentos valiosos. Uma delas é que a luta nunca acaba. Os problemas brasileiros, ao contrário, ganharam uma outra forma, mascarada nos discursos dos políticos, nos números fabricados, na imprensa manipuladora, e principalmente, na acomodação de quem pensa que as coisas não mudam, e que a vida é assim. Injusta por natureza. “Nenhuma ordem totalizante impede que o campo das possibilidades seja maior do que o que está sendo realizado. O que ela consegue, em certos momentos, é impedir que se pense na possibilidade de alternativas”, avalia sabiamente Cesinha.

O que os brasileiros fazem para resolver os problemas? Muitas vezes cruzam os braços, mas em muitos momentos decisivos da sua história, resolveram descruzar os braços, e reclamarem os seus direitos de cidadãos. Para quem acha que o brasileiro tem memória curta, a história sempre se repete, com a diferença que os objetivos sempre evoluem. Da luta dos homens para a Independência de Portugal, instituição da República, fim das oligarquias e da ditadura getulista, Diretas Já, Fora Collor, sempre há uma lembrança de luta introjetada na vida dos brasileiros, que suportam como nenhuma outra nação o peso de todos os tipos de desigualdade. Em uma luta diária, que rouba por demais a força e a auto-estima do nosso povo.

Trilha: Shopping Bouganville,em Goiânia

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