quinta-feira, agosto 10, 2006

Sonho que é sonho, precisa ser concretizado


O sol e o tempo abafado não davam trégua. Ao contrário da maioria das casas do Assentamento Varjão, localizado na Cidade de Goiás, a casa de Elza da Conceição Silva dos Santos localiza-se bem pertinho da rodovia. Podíamos ver até as paredes brancas ao redor das plantações de banana, abóbora, mandioca e pimenta, além de um vasto terreno, quando ainda abríamos a porteira. O sorriso da Dona Elza (impossível não chamá-la assim) vem como um convite ao abrigo do sol escaldante. Na sala, os dois sofás fazem par com a estante, repleta de porta-retratos. As fotos da senhora de 59 anos e do seu esposo José Moreira dos Santos, 49, já amareladas pelo tempo, contam um pouco a história do casal. A pequena estante também sustenta uma televisão, de modelo bem antigo.

Espalhadas pela sala, mais fotografias, também corroídas pelo tempo, assim como as paredes que a sustentam. O cômodo, que inicialmente servira como uma trégua ao castigo do meio-dia, foi trocado rapidamente pela cozinha, onde havia água à vontade para os visitantes. Da água, os olhos fixaram-se mesmo foram nos mais variados potes de pimenta, que Dona Elza guarda em cima do armário. Todos emergidos em água salobra, para evitar que se perdessem. Presa em seus sonhos, assim como as pimentas que conserva, estava a vontade de começar o cultivo da mais forte delas, a pimenta malagueta. "Isto ficou me pertubando por um longo tempo. Toda vez uma moça bonita, vestida de roupa branca, vinha em meu sonho para me oferecer uma pimenta malagueta", recorda-se.

Para mostrar a concretização deste sonho, Dona Elza não se incomoda com o sol do meio dia. Com os pés no chão, ávida para mostrar o seu xodó, pôs-se a andar com pressa até o lugar onde estão plantados os seus 256 pés de pimenta malagueta. Graças ao "sonho" de Dona Elza, outras 150 famílias em dez projetos de assentamento espalhados pelo estado também a cultivam em seus quintáis. Ainda na entrada da casa da Dona Elza, brinquei. - Fiquei sabendo que a senhora foi a idealizadora do projeto Pimenta? - Estas meninas são "marvadas", brincou, ao mesmo tempo que olhava rindo para Roberta e Rosely, as engenheiras agronômas do Sebrae que prestam assistência técnica ao acampamento Varjão.

Chegando perto das pimenteiras, Dona Elza faz questão de mostrar a planta com o maior rendimento. "Esta terra é abençoada", diz, levantando poeira, ao arrastar os seus pés no chão. Terra em que Dona Elza e o esposo esperaram de oito a nove meses para chamar de sua, até sair o registro da desapropriação. Sem muitos pertences e com o coração abatido por uma cirurgia, Dona Elza chegou com o marido à noitinha, quando montaram as barracas perto da estrada. "Estava empregado na cidade, quando o proprietário da fazenda contratou algumas pessoas para ficarem no terreno. Não teve nenhum problema, inclusive a gente podia trabalhar na terra em alguma clareira da fazenda, conta José Moreira. Depois da desapropriação da fazenda, em 1997, o momento mais importante para os dois: a escolha dos lotes. "Na hora eu disse que ficaríamos no mesmo lugar, não sairíamos dali. Todos começaram a rir e a brincar. Até quando foi sorteado o número um" relembra. "Depois disso, disse que poderiam sair dali. Aquela terra era minha", diverte-se.

Mais do que concretizar o seu sonho, nesta terra, Dona Elza transformou a realidade dos assentados rurais do estado de Goiás. Realmente foi de Dona Elza a idéia de implantar o Projeto Pimenta. Roberta e Rosely apresentaram a idéia aos coordenadores do Sebrae-GO. "Sempre quando chegávamos aqui, Dona Elza perguntava sobre o projeto das pimentas", acrescenta Roberta. O Sebrae o Incra distribui este ano, com a implantação do projeto, mudas a baixo custo. Um Kit composto de 256 mudas, inseticidas e adubos, que custa R$ 70, saiu por R$ 30,00 para o pequeno produtor. Dentro de seis meses, cada família deve receber R$ 250 por mês, com a venda do produto, já garantida, para uma empresa de São Paulo. "Só não sabia que tinha sido de um sonho", adverte Roberta. Nem eu acreditei. No exato momento que perguntei, "sonho" era apenas uma vontade enorme de se realizar alguma coisa. Com Dona Elza aprendi, que "sonho" que é sonho, precisa ser buscado e concretizado.

Trilhas: Assentamento Varjão, na Cidade de Goiás; Sonhos de Dona Elza
Crédito da foto: João Faria

2 comentários:

Ana disse...

Essa reportagem eu já li no Tribuna...

Quanto a São Paulo, ainda lembro da emoção que senti quando andei de metro pela a primeira vez, tinha 11 anos de idade. São Paulo parecia um monte de coisas que hoje não se parece mais, nasminhas lembranças. era lá que queira viver, como minha tia.

Ana disse...

Amorzinho... Também estou com saudades, como perdi a senha daquele meu outro blogger vc vai ter que se conformar em postar no meu novo. Para matar as saudades dos meus textos vai lá:

ingradiente1.blogspot.com