segunda-feira, agosto 20, 2007

Abaixo a pseudo democracia

- O que você tá fazendo na rua, menino? Criança tem que tá na escola, e não na rua, procurando coisa errada pra fazer. Cadê seu pai?
- Me deixa em paz, tio...

Por cerca de cinco minutos, o diálogo, ou quer dizer, o monólogo era acompanhado por quem estava no ônibus naquele momento. Era por volta das 14hs de uma quinta. O calor e a falta de umidade faziam daquele ônibus um suplício. Se fosse algum vendedor de banana, água, ou bala, continuaria nos meus pensamentos. Em pé, sentado no ferro de sustentação, próximo à entrada, o homem não parava de falar. Estava em pé, a segurar minha mochila verde, sem nenhum tipo de movimentação, só aquela impulsionada pelo ônibus. Mantive a mesma posição, sem nem mesmo olhar a cena.


O que aquele senhor dizia não era apenas um soco no estômago daquele menino. Aquilo começou a me incomodar. Ele estava em pé, à porta. Não tinha mais de dez anos. Era magrinho, camisa grande e de bermuda simples. Esta é a única descrição que posso dar. Esta foi a minha única olhada na cena, que continuava.

- Vou te levar na delegacia de menores quando a gente sair. Você não tem vergonha de com esta idade, tá na rua, vagabundeando. Tem que estudar... prá ser alguém na vida. Ou você quer ser vagabundo...
- Ai meu deus. Me deixa em paz.

Em coro com o garoto, a minha vontade era de falar. “Deixa ele em paz. O mundo é democrático. As pessoas fazem o que elas quiserem e cala esta boca, que o sr. está incomodando”. Não o fiz, certamente. Apenas esperei que tudo se acabasse. Quando entrei no ônibus, aquele senhor já estava lá, encostado na parede oposta à entrada do ônibus. Como ele ia sair, no ponto da Avenida Goiás, no centro de Goiânia, o homem havia mudado para o lado do garoto, perto da porta, só que sentado no ferro de sustentação.

O senhor, com rosto de formato quadrado, já enrugado, cabelos curtos e já falhos, sugeria uma personalidade austera. Sempre com aquela cara de sério e compenetrado em alguma coisa. Não pensei, no entanto, que pudesse demonstrar esta característica de forma tão veemente. Eles saíram, e continuaram discutindo lá fora, enquanto o menino fugia. E de repente, em poucos minutos, refletia sobre a cena e o meu pensamento.

“Não será que o mundo está deste jeito, por causa desta pseudo-democracia, em que ninguém pode mais se meter na vida de ninguém. As pessoas se desrespeitam, batem umas nas outras, quebram as regras, roubam, furam fila, e o que as pessoas falam? Exatamente nada”. Tudo isto, muitas vezes, acontece ao nosso lado, e com a desculpa de que todos fazem o que lhe aprouverem, começamos a achar “tudo” natural.

Que mudança radical de pensamento, não é. Às vezes somos levados ao imediatismo das ações. De uma forma individualista, não queremos ser incomodados. Afinal, isto não é problema da gente, não é mesmo? Só que a minha vontade, cada vez maior, por exemplo, é começar a encher o saco daqueles que jogam lixo pelas janelas dos carros e ônibus, como estivessem na própria casa. Depois quando os carros ficam parados no meio das enchetes, ficam reclamando do poder público. Acho que nós, brasileiros, precisamos ser mais chatos, metódicos, sistemáticos, e intrometidos. Nem que incomode, assim como me senti incomodado naquele momento.


2 comentários:

Anônimo disse...

Daria para você escrever uma monografia com as histórias do Eixão, né?...rs. Acho que você tem mesmo razão no que disse. às vezes também me dá uma raiva imensa do que as pessoas fazem. parece que pouca gente sabe viver em sociedade mesmo. se a gente começasse a pegar no pé, como vc disse, talvez as coisas começassem a mudar um pouquinho.
ah! legal te encontrar ontem. o rodrigo ficou o dia todo rindo do porco-aranha do filme..hhehee. beijinhos!

Hebert Regis disse...

Oi Érika. Eixão é um tema recorrente nas minhas histórias.É onde enxergo as coisas mais estranhas em Goiânia. Uma mistura total. É como o Rio de Janeiro das décadas de 50 e 60 para Ruy Castro. Ele é mais sofisticado, vamos combinar né. eheheh Vamos ver se a gente combina outra saída esta semana. Só para conversar besteira. Bjos
Hebert Regis