terça-feira, agosto 14, 2007

A hora certa de partir

Que sensação é esta que surge? Brota aos poucos, de forma sistemática, sem nem avisar. Como já estou esperto com esta vontade de mudar tudo, analiso racionalmente as primeiras conseqüências, e em uma audácia que toma conta dos mortais, também passo a analisar num futuro distante. Apesar dos pensamentos, não há como saber como uma mudança, seja ela simples ou radical, possa alterar, para o bem ou para o mal, os rumos da sua vida.

Como estas indagações não vão me fazer andar, ou seja, apenas angustiam ainda mais o cotidiano coberto de certezas, torna-se preferível pensar em razões práticas. A verdade, para mim absoluta, é que nada me prende. Posso mudar para São Paulo, Salvador, Rio de Janeiro, Londres ou Nova Iorque. E não sentiria nenhuma diferença perceptível. Continuaria andando em transportes públicos lotados, dormindo as minhas oito horas (ou até mais) tranqüilamente, trabalharia para sobreviver, leria os mesmos livros, sentiria as mesmas saudades, principalmente daquilo que não volta mais.

O que ainda estou fazendo aqui? Esperando a melhor hora de partir, preparando-me para a próxima viagem. E sem pensar muito no que deixei para trás. Até porque, a sensação é que nada do que passou me pertenceu um dia. Passou como aquele pássaro que voa em direção ao sol que se põe. Ou então como aquela cena em que tento, em vão, gravar na memória.

Da sacada do prédio, vejo alguém andando apressado, passos firmes, que apenas disfarçam a insegurança daquela nova viagem. Mochilas nas costas, o rapaz dobra a esquina, dá uma olhada para trás, como quem quisesse se despedir. Como não há muito tempo, ele olha para a frente, na direção que precisa seguir.

Este sou eu, novamente, olhando o “eu” que precisa fugir. Minutos antes, debruçava-me no parapeito da sacada, querendo lembrar de tudo desesperadamente, como em um filme, que avalia em um curto espaço de tempo, toda uma vida. Já dentro do ônibus, de volta para casa, esqueço tudo rapidamente. E tudo o que vem adiante é uma estrada limpa, pronta para ser percorrida, sem nenhum tipo de mágoa ou desilusão. Pronto para a próxima parada.

Livremente inspirado em uma crônica de Rubem Braga, incluída no livro “Ai de ti Copacabana”

Um comentário:

Anônimo disse...

A hora pode até não parecer certa ...
Mas, as mudanças já se estabeleceram no momento em que você saiu de casa. Existem eventos que modificam para sempre o futuro.
Junto com essas mudanças modificamos também a vida das pessoas queridas, independente das mudanças serem boas ou ruins, mudamos e eles também mudam.
Não é a cidade que muda o destino e sim o conjunto das escolhas... Dentro ou fora dos transportes publicos somos arrebatadoramente nós.
Essas belas, tristes ou alegres cenas estão gravadas na sua eternidade, pois os amores materiais, emocionais e intelectuais não acabam.
Vá viver seus sonhos. Porque a hora certa de partir é agora. Ó presente é a única certeza que realmente temos. E se permitar ser livre como aquele pássaro... Porque a sua história, ela, realmente pertence a você e aqueles que fazem parte dela.